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CAPÍTULO II – BOXE E RELIGIÃO

ÊXODO 2:12 - “Então olhando para todas as partes, e vendo que não estava por ali ninguém, matou ao egípcio, e o escondeu na areia.” (Padre Antônio Pereira de Figueiredo)


 BOXE E RELIGIÃO.

Meu primo, aquele que costumava me levar ao fliperama, não era tão diferente de mim em certos aspectos, ele também morava só com sua mãe e não conheceu o seu pai. O relacionamento que tinha com a mãe não era dos melhores, tal qual eu mesmo, mas, o estranho, era que minha própria mãe via nele o filho que nunca teve, e posso dizer que os dois se completavam e, por se darem tão bem assim, é que o rapaz acabou se refugiando da família em minha casa e, e talvez fosse pelos maus tratos, que descontava em mim. Então, quando se tornou maior de idade, não houve nada que ninguém em sua antiga casa pudesse fazer para impedi-lo de se mudar para a minha. Na época, ele já era um pouco mais alto do que sou hoje em dia e de constituição forte, se comparado a maioria das pessoas, tinha cabelos e olhos negros, pele clara e cara espinhenta enfeitada com um nariz em forma de gancho pra lá de esquisito, ele também costumava usar um boné em sua cabeça que ostentava um logo bordado de um campeonato de artes marciais da região, mas que já estava velho, gasto e rasgado, tão rasgado que mais parecia o boné de um sem-teto, porém, como ficava bem acima de uma eterna carranca urbana, o rapaz nunca sofria com as gozações quanto a sua aparência, ao menos, não enquanto ainda estava presente no local… Infelizmente tenho de lhe dar algum crédito em minha formação, afinal, como era praticante de boxe, além do fliperama, acabei sendo arrastado também para treinar com ele, e este treino seria algo extremamente necessário para mim, embora eu ainda não soubesse disso, mas, não foi por um simples acaso do destino que recebi aquelas aulas, não, ainda haveria um combate a ser travado no futuro, uma luta mortal, a qual, não é nenhum exagero dizer que o destino do mundo inteiro dependeria de meu desempenho, para sua ruína antes do tempo, ou para que todos vivêssemos um pouco mais!
Treinávamos num velho salão comunitário cedido pela prefeitura a um lutador aposentado que morava por perto (em cidades pequenas, o que não falta são salões abandonados para serem emprestados a projetos de bairros), e, a princípio, era ele quem nos instruía e meu primo era seu assistente, sua sombra, e o imitava em tudo o que podia. E era bem engraçado ver o exagero do senhor em tudo o que dizia, bem, acho que preciso lhe dar um exemplo para que compreenda melhor: em todas as vezes que velho professor dirigia suas orientações aos alunos, dizia algo como:
– Foi por treinar assim todos os dias, que me tornei um campeão nacional, depois de derrotar cento e vinte e oito adversários, e vocês também podem conseguir isso!
Ou
– Se seguirem esse treino, que foi criado e patenteado por mim mesmo, um dia, também serão campeões mundiais, como eu mesmo fui depois de derrotar cento e quarenta e dois oponentes!
Em seguida a seus comentários motivacionais, o senhor sempre puxava um saquinho de amendoins do bolso, enchia uma das mãos com seu conteúdo e o enfiava vorazmente na boca, de modo que não conseguia falar mais nada, ele apenas podia mastigar…
Devido a amizade que surgiu entre os dois, meu primo acabou tomando conta do local a partir do momento em que o autoproclamado campeão universal, se afastou completamente dos treinos, e meu primo passou a se orgulhar muito de ter o título de professor de boxe, qualquer coisa era motivo para demostrar seus socos.
Eu era ainda uma criança quando comecei a treinar, acho que tinha oito ou nove anos, e mesmo que estivesse sempre o convidando, ainda levaria algum tempo para que Batata também me acompanhasse, mas quando finalmente o fez, foi motivado pelos jogos que ainda jogávamos juntos nos fins de semana e preciso dizer que, eu também pensava exatamente como ele… Assim, para alcançar nosso objetivo, o de nos tornarmos iguais aos personagens dos games é que intencionalmente nos esquecemos do comportamento passado de meu primo, na verdade foi fácil fazer isso devido ao episódio anterior (no dia em que ganhei meu videogame de presente) não ter se repetido, porém o único motivo dessa não-repetição, era simplesmente o fato de Ana estar presente em todas as ocasiões em que nos reuníamos, mesmo que o videogame, em nada a atraísse!
Nas aulas, haviam pessoas de todas as idades, embora treinassem separadamente; a primeira coisa que aprendemos foi como fazer uma guarda, esta devia permanecer sempre com os punhos erguidos, como se formassem uma barreira a frente do rosto; Batata precisou de algumas tentativas para acertar, principalmente depois de ter perdido a concentração ao ouvir pela primeira vez uma palavra de incentivo do instrutor dirigida a mim:
– Muito bom Snow!
Na etapa seguinte, ele nos mostrou uma sequência simples de golpes, primeiro o jab, e depois o direto. Esta combinação consistia em atacar com um soco rápido com o punho que estivesse mais próximo do adversário (o jab), normalmente esse golpe não alcança uma grande potência e é mais usado para medir a distância do oponente a fim de que, se siga algum outro movimento, neste caso, atacar-se-ia com o punho que estivesse mais distante, com o qual é possível empreender maior poder, num golpe direto. O instrutor também nos mostrou como trocar as bases de acordo com os movimentos de nossos próprios golpes ou do oponente, e conduzidos por ele, todos os alunos praticaram socos no ar por alguns minutos. Seguindo a aula, nos mostrou como deixar a guarda que havíamos aprendido antes, no caminho, ou seja, entre nós e os golpes recebidos por um adversário imaginário. A próxima etapa foi separar os praticantes em duplas e instruí-los a treinar um com o outro: um dos parceiros deveria golpear de maneira encenada contra o companheiro que, por sua vez, bloquearia o golpe, e então, repetiriam os movimentos algumas vezes alternando o atacante. Nesse ponto os parceiros escolhidos foram obviamente Batata e eu, o que foi uma sorte, mas que acabou imediatamente quando fomos postos ao lado de um par de garotas que atraíram completamente a atenção de Batata. Meu primo dirigiu-nos um a frente do outro corrigindo nossa guarda e em seguida dizendo:
– Quero que dá só jabs por enquanto, num tenta fazê outra coisa, ou vai machuca!
E assim sucedeu, trocamos alguns socos de forma tímida, principalmente porque a atenção de meu amigo estava dividida entre executar socos rápidos e leves que morriam em minha guada e em observar as duas garotas bonitas, embora um pouco mais velhas, que estavam do nosso lado direito e que faziam tentativas muito desajeitadas de executar os golpes propostos pelo professor. Batata se encontrava especialmente encantado com uma garota loira cujo nome eu apenas conheceria anos mais tarde, de tal maneira que se esquecia que deveria se defender dos golpes que eu mesmo executava, e quase sempre se aproximava perigosamente de mim, arriscando-se a levar um golpe, só para observá-la melhor e por isso, ele quase foi atingido por muitas vezes.
Então, com um misto de deboche e orgulho, vendo a dificuldade que enfrentávamos durante o exercício, nosso professor exclamou olhando para mim:
– Não é tão fácil fazê isso que nem é no videogame, é?
O interesse de Batata nas garotas bonitas era tanto que precisei cutucá-lo fortemente, enquanto não só o professor percebia a distração, como também as duas garotas, para que finalmente desse atenção a aula e acenasse com a cabeça para o instrutor em resposta. Ele nos observou por um tempo enquanto praticávamos, mas assim que meu primo se virou e caminhou para outra dupla que precisava de auxílio, Batata murmurou com a mão ao lado da boca para que ninguém mais ouvisse olhando em minha direção:
– Na verdade, é sim. E acho também que vou gostar muito destas aulas, que bom que te acompanhei Vaniel!
E se virou novamente para as garotas ao mesmo tempo que disparou dois golpes rápidos com peso maior que os anteriores e que quase me atingiram. Pensei em silêncio:
– Será que eu deveria chamar Ana para dar um jeito nele também?
Pensando bem, provavelmente eu devesse realmente tê-lo feito, pois a coisa piorou tanto que, agora meus golpes faziam com que os braços do garoto, o atingissem no rosto a cada soco, então, vendo que não deveria continuar pelo próprio bem dele, fiz uma pequena pausa para também observá-las. A outra garota era morena e um pouco mais alta, de cabelos curtos e negros, muito bonita e socava bem melhor do que a garota loira que Batata estava encantado, mas esta, de forma alguma era menos bonita que a anterior, na verdade seus cabelos loiros contrastavam lindamente com as luvas vermelhas que usava e suas roupas curtas, se é que posso chamar atenção para este fato, mas esta pausa em que as estivemos observando foi novamente interrompida quando nosso instrutor falou em voz alta:
– Agora dá um soco direto no seu companheiro mais, cuidado pra não acertá!
E, ao ouvir o comando, meu movimento simplesmente saiu num tipo de “modo automático”, mesmo que eu ainda estivesse observando as duas e isso, somado ao fato de que o Batata continuava mais distraído do que eu, e resultou que, meu soco acabou atingindo em cheio seu nariz, fazendo-o perder o equilíbrio e cair sentado para trás com lágrimas prontas para descer de seus olhos. Olhei atentamente para seu rosto em busca de qualquer coisa que fosse da cor vermelha mas não havia (felizmente):
– Antes lágrimas do que sangue… – pensei comigo mesmo o examinando e em seguida, disse:
– Batata… Batata, me desculpe, me distraí e não percebi que você também não estava concentrado o bastante para se defender!
Estendi a mão para o ajudar a se levantar e, ao aceitar a ajuda, ele comentou o mais alto que pôde:
– Já ouvi dizer que garotas loiras sempre fazem amigos brigarem… – em seguida abaixou o tom de voz para que somente eu ouvisse – mas não achei que era assim que acontecia!
Provavelmente seus comentários foram, na verdade, um esforço monumental para disfarçar a dor de ter seu nariz atingido em cheio por um bom golpe e também toda a situação que se formou aos olhos do resto dos participantes.
– Sinto muito, não queria te acertar… – acrescentei – só que… tive a impressão que você também se inclinou para frente ao mesmo tempo em que meu golpe ia em sua direção…
– M-me… me desequilibrei… – gaguejou ele e, ao se levantar, fez ainda mais força para impedir que uma lágrima, que agora estava perigosamente inclinada, descesse pelo fundo (totalmente) vermelho que, felizmente, era apenas o seu rosto constrangido. Com a ameaça de que todos começassem a rir… ou melhor, fizessem com que as risadas baixas se tornassem ainda mais audíveis, o instrutor exclamou levantando uma das mãos:
– Pessoal, não ri de seu amiguinho não, todos pode tomar algum golpe sem querê, o importante é levantá depois dele!
O instrutor se aproximou de nós para examinar o rosto de meu amigo, colocou uma de suas mãos no queixo de Batata e a outra em sua testa, em seguida virou-o com violência para direita e depois para a esquerda, como se procurasse algum outro ponto que tivesse sido atingido além de seu nariz, até que percebeu que não havia nada de errado (além da cena em si…), provavelmente apenas o orgulho dele tinha sido ferido, então meu primo se virou para mim e disse:
– Toma mais cuidado pra não acertá o Batatinha, cês tem que olhá é pro que tá fazendo, não pra outro lado!
Após me dizer isso, meu primo pareceu pensar por um instante com a boca semiaberta, provavelmente estava dividido entre a zombaria e algum outro conselho que brotava em sua mente. Finalmente depois de algum tempo parado, de tal forma que acreditei que estava aguardando a entrada de alguma mosca, ele abriu-a totalmente para dizer:
– Acho que vô te inscrevê no campeonato regional, cê podia ganhá ele.
Ele falava sobre o mesmo torneio que havia bordado no boné rasgado que, nem mesmo para os treinos, saía de sua cabeça e que era realizado na região aberto a vários estilos (inclusive ao boxe); meu primo, seus amigos e alunos, estavam sempre comentando sobre este assunto durante cada uma das aulas, aliás, quase todos que treinavam na cidade tinham a intenção de participar dele algum dia, e talvez eu devesse ter ficado mais feliz pois todo aquele tempo sendo usado como boneco de testes acabou me ajudando a ter uma noção maior daquilo, tanto que acredito que meu primo tenha dito tal coisa com sinceridade, mas participar do torneio era a última coisa em minha mente naquele momento, eu apenas pensava no golpe que havia acertado por acidente em meu amigo, me senti tão mal por isso que me desculpei por tantas e tantas vezes, que cheguei ao ponto de irritá-lo. Provavelmente tenha sido por minhas desculpas insistentes e não pelo golpe, que Batata tenha desaparecido dos treinos a partir do dia seguinte. Entretanto, a coisa mais curiosa que aconteceria neste dia, não seria um golpe acidental que quase feriu um amigo, tampouco a descoberta de minhas habilidades ocultas como lutador, mas sim que, de alguma maneira desconhecida que ainda me assombra, a notícia de que havia atingido um companheiro de treino acabou chegando em minha casa muito antes de mim. E quando entrei pela porta da cozinha na companhia de meu primo, fui recepcionado por uma pequena equipe, formada por meus avós e minha mãe que buscavam interceder por mim, já que não acreditaram que havia sido eu a golpear um amigo, mas o contrário, que tinha levado uma terrível surra e que mal conseguiu caminhar de volta para a casa, minha mãe então disse:
– Cê num é capaz de acompanhá essas coisa, olha só a cara branca que cê chego de susto, num adianta querê lutá, se cê num sabe dá um soquinho, vai ficá ino lá só pra apanhá assim toda vez?
– Cê é mole dimais pra isso!
Um grande discurso repleto de invencionices sobre minha incapacidade foi escrito naquela noite, com a participação de todos, foi também neste dia que ouvi de meus avós, e pela primeira vez, duas frases que nunca mais cessaram de repetir e de incrementar em todas as vezes que eu saísse para treinar, não importando quantos anos haviam se passado:
– Isso tudo, essas coisa de luta, é coisa do demônio!
– Quando alguém pega espíritos, fica dando uns pulos igualzinho cê tava fazendo lá!
Além de me dizerem isso e de sacudirem seus dedos furiosamente para todas as direções quando começavam com seus discursos, nenhum deles jamais assistiria nenhum de meus treinos, o que é óbvio, considerando suas opiniões, mas é como um desabafo para mim ressaltar este fato, nem lhes importavam que recebessem um convite formal para algum dos eventos dos quais eu ainda participaria e, voltando à aquela noite, depois de me “aconselharem”… por horas… quanto aos riscos de continuar treinando, minha avó falou:
– É melhor cê ir dormi agora, vamo continuá pensando no que fazê e conversamos amanhã!
Ela sempre me mandava ir dormir para não ouvir o que chamava de conversa de adulto, mas em todas as vezes pude ouvir claramente, de meu quarto, as discussões, já que todos falavam alto de mais, assim como ouvi naquela noite também os longos discursos que se seguiram. Eles falaram e falaram, até que finalmente encontraram um meio para combater a influência de meu primo e de suas praticas demoníacas: meus avós decidiram que me levariam a igreja sempre que os dias das reuniões e dos treinos coincidissem (não que exista algo de errado em se conhecer um pouco de religião, mesmo que não se tenha a intenção de segui-la, só que, na época, eu era apenas um adolescente que havia sido castigado por ser bom no boxe com uma boa dose de igreja, então não pensei dessa forma na ocasião) e mesmo que meus sentimentos de adolescente possam ser até questionados por alguns e por mim mesmo, não posso negar que tenho, até hoje, um certo orgulho de dizer que acabei sendo mais esperto do que eles e os vencendo em seu próprio jogo!
Embora eu estivesse apenas sendo forçado a ir em ambos os lugares desde o início, primeiramente a ir praticar boxe e logo em seguida a igreja para combater o primeiro, as coisas seguem um certo propósito na vida, e ambos eram passos necessários para minha jornada futura, na qual, eu teria de lutar para conseguir um pouco mais de tempo para todo este mundo. Sem perceber, nos dias em que estive sentado no banco da igreja e ao lado de meu avô com a pior cara de garoto emburrado que consegui fazer, passei a me interessar muito pelos temas discutidos no púlpito o que, certamente, elevou o nível das discussões que tinha com Ana por entre os escombros do Túnel do Dragão:
– O universo é coeso e auto suficiente, sendo um produto da criação perfeita de Deus, ele tem a capacidade de evoluir e de se adaptar sozinho e isso inclui toda espécie de vida que nele habita.
– Não está pensando em colocar essa frase em nosso trabalho não é Snow!?
– O assunto é astronomia e não religião!
– E por que não Ana?
– Você não acha incrível perceber que nosso sistema solar encontra-se em um vão, ou seja, um ponto vazio onde não existem outras estrelas ou corpos celestes que possam nos perturbar, gravitacionalmente falando, assegurando o nosso delicado equilíbrio?
– Até temos nosso próprio guardião interestelar: p planeta Júpiter, que atrai para si a maioria dos asteroides ou rochas que vagueiam pelo espaço e ocasionalmente se aproximam do centro do sistema. Assim ele protege os planetas que estão mais ao centro de impactos mortais, tal como aquele que destruiu os dinossauros, é provável que Júpiter já tenha poupado nosso planeta de inúmeras repetições desse mesmo desastre, todo este zelo é uma prova irrefutável da existência de Um Criador!
Ana também encontraria sua religião no futuro mas, por hora, apenas se contentava com os dizeres de sua mãe e repetiu o mesmo que ela (a mãe de Ana) sempre dizia a meus avós:
– Isso não é prova alguma da existência de Deus, é só matemática, até aquele livro a que você se refere, foi escrita por um homem e provavelmente ele estava bêbado!
– Ficaremos com o que eu mesma já escrevi: “este é só mais um em uma infinidade de outros planetas e universos, que podem ou não conter vida”.
– Esta perfeição de que fala é uma simples questão de probabilidades, e não é apenas isso, a própria evolução é uma prova de que Deus não existe!
Minhas tentativas de gaguejar alguma coisa para refutar a afirmação de Ana não adiantaram de nada, afinal, eu não era suficientemente esclarecido quanto ao assunto naquele tempo e apenas pude encarar a expressão triunfante da garota por ter ganho o debate, na verdade, levou muito tempo para que eu realmente formasse um pensamento mais adequado sobre isso: as Testemunhas de Jeová2 são um exemplo bastante interessante para se levar em conta aqui, pois citam os leões como criaturas dóceis e gentis com as quais será possível, até mesmo, se brincar (após o término deste mundo), o que tem lá sua coerência, afinal teria mesmo Deus os criado como predadores carnívoros desde o início?
Se não, o que teria provocado tamanha mudança em seu comportamento?
A Teoria da Evolução de Charles Darwin, realmente seria capaz de explicar isso?
As Escrituras nos dizem que a queda do homem foi o estopim que gerou (atraiu) todo o mal deste ponto em diante, e assim sendo, foi ele mesmo (o homem), também o responsável indireto pela criação da cadeia alimentar. A partir de então, os animais começaram a se devorar, devido a Adão ter cedido o domínio da Terra (pois o homem fora feito para dominá-la) a espíritos sedutores que, por sua vez, foram os responsáveis por impor sua vontade a certas espécies, tornando-as predadoras, ora, não queria lúcifer ser semelhante a Deus?
É aceitável pensar que tenha também tentado fazer (modificar) a natureza a fim de vê-la como se fosse sua própria criação, de tal forma que a linha que distingue o verdadeiro do falso se tornou indizível a nós. Seriam estes, os animais citados como malditos ou imundos?
Haveria, por acaso, Deus criado qualquer coisa que fosse impura no início?
Mas como não fui capaz de dizer nada disso naquele dia, tive apenas de suportar Ana desdenhando:
– Por que não escreve o livro: As Filosofias de Vaniel?
– Ou melhor ainda: Vaniel o Caçador de Dragões!
– Ao menos, em seu próprio livro, poderia ser o protagonista e matar o dragão que lhe perseguiu no sonho, em vez de acordar e fugir!
Sob certo ponto de vista, é ofensivo ter suas crenças e verdades mais sagradas, aquilo que move sua vida, chamadas (simplesmente) de filosofias, ainda mais num tom de deboche como Ana fizera, contudo, olhando por um outro ângulo, é exatamente o que estou fazendo neste momento, e por isso, gostaria de abraçá-la e dizer, se pudesse, que acabei seguindo o conselho e agradeço-o imensamente. Mas, a conversa que estávamos tendo, foi perturbada quando meu primo passou pelo corredor atrás de nós, pudemos ver que carregava consigo sua mochila jeans e um par de luvas negras muito brilhantes, balançando a vista de quem quisesse ver, ele sequer nos olhou, obviamente devido à presença de Ana, mesmo que estivesse escondida atrás dos escombros; a passagem do rapaz, além de arrebatar meu olhar para as luvas, também me fez recordar do compromisso imposto por minha família, algo que, mesmo que eu não gostasse, poderia me dar algum argumento para rebater Ana e, por isso, exclamei (com tom desanimado):
– Preciso ir, vou ao culto com meus avós, eles sempre querem que eu vá nos mesmos dias em que meu primo vai treinar, para que não possa mais ir com ele.
Ana respondeu:
– Deve ser muito chato ter de ir a um lugar assim, não quero nunca ter que entrar numa igreja!
– Não acho tão chato como você diz – respondi – as vezes falam coisas muito legais, há também algumas histórias sobre dragões como aqueles que enfrentamos na Bíblia [Comentários sobre o assunto: APÊNDICE X – SOBRE OS DRAGÕES]…
– Pode ser – respondeu ela – ao menos, não precisa ir praticar luta com seu primo, isso realmente não combina com você e, com certeza, você não tem jeito nenhum para lutador Vaniel, sei que das outras vezes, você levou uma baita surra e mal conseguiu caminhar de volta para casa, como pode seu primo te levar só para apanhar assim?
– Alguém como você não conseguiria ganhar luta alguma, mesmo que treinasse por muitos anos e que o destino do mundo inteiro dependesse disso!!!
As vezes as palavras que ouvimos se tornam um tipo de estopim, pois, naquele momento, um sentimento completamente novo despertou dentro de mim, desejei profundamente lhe provar o contrário, retornar aos treinos e ser tão bom quanto pudesse ser e, quem sabe, até mesmo ganhar aquele torneio do qual tanto se falava nos treinos!
– Não é bem assim Ana, ele (o professor) sempre diz que sou muito bom, aliás, fui eu quem fez o garoto chorar com golpe certeiro a alguns dias!
Ana riu ruidosamente e exclamou:
– Tudo bem então Vaniel, espero que o garotinho não tenha ficado muito machucado!
O silêncio em que caí, preenchido pelas risadas, apenas foi quebrado quando a voz de minha avó se ergueu chamando por mim com certo ar autoritário, o que fez a garota apenas dizer:
– Até mais tarde boxeador!
E ir embora com um ataque de riso ainda maior…

Na curta caminhada de casa até o culto, estive tão distraído com a lembrança das risadas de Ana que não conseguia pensar em outra coisa, senão na sensação de grandes luvas vermelhas acolchoadas em minhas mãos, na satisfação que costumava se apoderar de mim, quando observava o saco de areia se afastar levemente de sua posição quando era atingido por um fraco golpe, dos incentivos de meu primo que, sem que nenhum de nós soubesse, também eram sua contribuição para que o mundo fosse salvo através de mim anos mais tarde.
– Ana está errada… eu vou mostrar pra ela!
– Fica em silêncio Vaniel! – repreendeu-me meu avô gesticulando com o dedo sobre a boca quando, sem querer, pensei alto demais sentado num dos grandes bancos de madeira envernizada, durante a reunião. Do lado esquerdo do salão em que estávamos, apenas haviam homens, enquanto que minha avó se encontrava do lado oposto, a uma grande distância e tinha sua cabeça coberta com véu de renda branco, não sei dizer bem o porque, mas sempre gostei de vê-la naquele lugar, acho que apenas ela realmente se preocupava comigo, mesmo que não soubesse se comportar de maneira muito diferente do resto; parecia envolta em tanta paz e calma que, apenas por observá-la naquele dia, uma genial inspiração brotou em minha mente!
Mas para executar o plano que concebi com perfeição, tive de antes, me focar no que dizia o pregador, que naquele momento falava sobre as grandes batalhas enfrentadas pelos filhos de Deus e memorizar cada capítulo, cada versículo por ele citado, para que, quando chegasse em casa, pudesse apanhar uma das velhas Bíblias de meus avós, já que eles tinham várias versões para fins de estudos, num ato que até os encheu de felicidade, e fazer algumas anotações a fim de formular melhor a ideia. Mas, precisei repetir o processo por mais alguns dias (já que a facilidade de uma busca no computador ainda não era acessível a todos), mas finalmente o terminei e, foi então que o tiro disparado por meus avós saiu pela culatra, quando lhes apresentei os motivos Bíblicos, pelos quais, eu deveria ter permissão de retornar aos treinos:
– Tomemos como meu primeiro exemplo, os anjos de Deus, já que grande parte (senão todos) são guerreiros, e isso é atestado quando encontramos que eles carregam espadas, assim como o querubim que guarda a entrada do Jardim do Éden com uma espada flamejante; eles também usam escudos e vestem armaduras, permitam-me citar dois exemplos de versículos:

NÚMEROS 22:31 – “E, nesse momento, Yahweh abriu os olhos de Balaão. E ele pode contemplar o Anjo do Senhor posicionado no caminho, empunhando sua espada. Então Balaão inclinou sua cabeça e prostrou-se com o rosto rente ao chão.” (King James Atualizada 1999)

1 CRONICAS 21: 15 – “Então Davi olhou para cima e viu o Anjo de Yahweh entre o céu e a terra, tendo na mão sua espada desembainhada e voltada contra Jerusalém. Em seguida, vestidos de luto, com panos de saco, Davi e os anciãos de Israel, prostraram-se com o rosto em terra.” (King James Atualizada 1999)

– Não são apenas de anjos, mas há muitos outros guerreiros formidáveis nas Escrituras, como o rei Davi, Sansão, ou mesmo, Moisés, o profeta Hebreu que é tido como um grande general segundo algumas linhas de teologia, por sua inteligência. Moisés foi criado como um egípcio e, sendo da família real, é natural que também tenha recebido algum tipo de treino militar ou de combate já que essa prática era bem-vista, aos olhos do mundo antigo…
O semblante de meus avós exibia cada vez mais desgosto a cada trecho que eu citava:

ÊXODO 2:12 - “Então olhando para todas as partes, e vendo que não estava por ali ninguém, matou ao egípcio, e o escondeu na areia.” (Padre Antônio Pereira de Figueiredo)

– Moisés, de forma pensada investiu contra um guarda que, certamente, estava armado, venceu-o e em seguida teve a frieza de encobrir prontamente o corpo, provavelmente, tamanho controle das emoções sejam o produto de algum tipo de treinamento!
– Mais Vaniel – interrompeu meu avô – Moisés usou o que sabia pra virá assassino, ele podia até tê estudos (teologia), mais não tinha revelação de Deus…
Bem, isso fazia algum sentido, mas na época, não dei atenção, na verdade, sequer prestei atenção ao que meus avós diziam e continuei:

– Em seguida temos:

JOÃO 18:10 - “Então Simão Pedro, que tinha espada, desembainhou-a, e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. E o nome do servo era Malco.” (Almeida Revista e Corrigida 1969)

– É certo que Pedro tinha o conhecimento de como usar uma espada, ou não a carregaria, nem mesmo teria sido tão estratégico (se é que posso dizer desta maneira) ao usá-la, pois teve a malícia de impor, propositalmente, uma restrição a Malco, para que este não se tornasse sumo sacerdote, já que, a tradição ditava que a posição somente poderia ser ocupada por alguém sem defeitos físicos ou quaisquer outros tipos de deformidades, então ao lhe impor a falta de uma orelha, Pedro também destruía o sonho de Malco, sem dúvida, uma estratégia de um guerreiro!
Enquanto me ouviam, meus avós estavam simplesmente boquiabertos e eu apenas havia chegado a metade de meu discurso, então, eles me interromperam mas ficaram em silêncio durante alguns minutos, pensando no que deveria ser feito, ou em algo para me contradizer, depois da pausa, meu avô disse:
– Então tá bom, se cê quer aprendê a batê nos outro, aprende, cê tá achando que Deus vai usar isso que cê tá fazendo pra salvá o mundo?
– Não vai!
Em seguida, eles me darem um castigo, de quase um mês sem videogame, mas suspenderam suas tentativas de me afastar de meu primo, deixando, a partir de então, que eu mesmo escolhesse onde gostaria de estar. Então pude voltar a frequentar os treinos de boxe, mas não sem que algum outro empecilho fosse colocado em meu caminho: certamente, aquilo que acontecia agora, em absolutamente todas as vezes que me dirigia ao treino, era uma outra tentativa de me desencorajar e ao mesmo tempo, uma forma de retaliação que sofri de minha mãe, digo isso porque as aulas tinham início as dezenove horas, de modo que, por acompanhar o professor, sempre cheguei no local alguns minutos antes do horário marcado, para ajudar a abrir e organizar o que quer que precisasse ser organizado, ou seja, meu primo ficava sentado me dizendo o que fazer… Fosse como fosse, essa história de treino, se transformou num conflito com minha mãe, pois costumeiramente, deveria ser eu a ir até o bar próximo a nossa casa a fim de buscar o refrigerante de Cola que ela tanto gostava (ou mesmo, qualquer outra coisa), isso porque minha mãe jamais entrava em estabelecimentos comerciais, ao menos não enquanto eu “me dispunha” a ir por ela e, a partir do momento em que comecei a frequentar os treinos com mais afinco (logo após ter contrariado meus avós), ela passou a dar muito mais importância as ocasiões em que eu acabava saindo antes de comprar seu refrigerante. Na realidade, de minha parte, se tratava de um simples esquecimento, mas, após sair da aula e enfrentar a caminhada de volta para casa na (excelente) companhia de meu primo, eu deveria também abaixar minha cabeça e ouvir a bronca e, muitas vezes, os insultos por não haver lhe trazido aquilo pelo qual minha tia angariava fundos involuntários de meus avós!
Muito mais do que a constante repetição da situação, o que certamente agravou minhas lembranças, foi o sentimento provocado na única vez, em que, farto de tantas acusações, tentei questionar:
– Mas, por que tenho sempre de ir comprar isso eu mesmo, se não estou em casa nesse horário?
– Não seria mais fácil que alguém fosse buscar o refrigerante, o bar é no quarteirão do lado, ou que, pelo menos, me lembrassem mais cedo, em vez de me atacar tanto quando volto?
Mas, ao ouvir minhas palavras, minha avó saltou a minha frente com uma disposição que seria muito útil num treino de boxe e começou a apontar e sacudir seu dedo em frente ao meu nariz com grande velocidade e energia, enquanto gritava:
– Vaniel, pra sua mãe é uma dificuldade falá com outras pessoa, tem que ser o cê, SEMPRE TEM QUE SER O CÊ!
Palavra por palavra, isso ficou gravado na minha mente, principalmente pelo fato de que, por mais que tente me lembrar, nunca vi ninguém rir sem sequer disfarçar a situação, ou tirar sarro da cara de qualquer uma delas antes mesmo que dissessem qualquer palavra, tal qual eu mesmo já tive de suportar por tantas vezes devido a cor de meus cabelos – vai querê o quê, tiozinho? – realmente havia alguma dificuldade nisso para ela?
Essa situação não passava de um grande esforço coletivo, em que usavam de desculpas para descontar sua raiva, a fim de, me afastar do treinamento; pensaram que eu, certamente, me cansaria de ter que discutir sobre o assunto a cada vez que voltava para casa, mas, o mais irônico de tudo isso, é que na época eu não tinha (quase) nenhum gosto por lutas, mas, por ter tantos empecilhos, tantas pessoas trabalhando para me impedirem, sem querer, eles me deram a ideia de que, se haviam esses obstáculos, aquele deveria ser um caminho correto, um caminho que eu precisava trilhar, não importando o que acontecesse, até passei a me achar como sendo algum tipo de escolhido; era também minha forma de me rebelar contra tantas injustiças, assim como qualquer adolescente normal, que tenta se rebelar contra os pais em dado momento.
Os dias de igreja porém, não foram em vão, já que, em seguida a minha deserção, alguns acontecimentos muito especiais (e sobrenaturais) também contribuíram para vindicar minha suposta eleição, para o que exatamente, eu ainda não sabia, mas os fatos se repetiram inúmeras vezes ao longo de minha vida. O simples ato de, se obter o conhecimento, ou melhor dizendo, de se receber a Verdade, equivale a encontrar uma chave que destranca uma porta no universo. Muitos daqueles que as vezes abrem tal porta, têm algo em comum, eles têm em si algum (ou alguns) dons Divinos, mas, a verdade é que, tais dons podem até ser herdados dentro de uma família, como foi em meu caso. Isso porque, dons não necessariamente significam bondade e verdade, pelo contrário, muitos dos que são cheios de dons, estão tão longe da Verdade quanto se poderia estar, mas sobre isso eu não sabia ainda… Após quase um ano de treino ter se passado, minha vida já havia mudado bastante, principalmente pela presença de meu primo na casa, e como não tínhamos mais quartos, dormíamos no mesmo cômodo e este, havia se tornado bem menor, pois agora acomodava duas camas em frente a janela enferrujada, que mal podia ser aberta, em vez de uma. As camas ficavam de lados opostos, e abaixo, aos pés, logo após o corredor de entrada, estava um pequeno guarda-roupas e uma estante torta, com uma televisão bem pequena em que ficava meu videogame, já que este havia sido banido da sala de estar e da TV grande. Mas, meu colega de quarto, também se incomodava muito com o barulho dos jogos, portanto, o aparelho passou a ficar desligado durante todo o tempo em que ele estivesse em casa, o que sempre coincidia com a realização dos velhos campeonatos que Batata, Ana e eu organizávamos. Minha desaprovação com tudo isso, de fato existia, mas fora abafada pelos acontecimentos seguintes, quando surgiu meu primeiro sonho, dentre muitos que eu teria nos próximos anos e que, se tornariam realidade: em meio a uma escuridão tão densa e sufocante, que parecia sugar todo o ar para si mesma (como se respirasse), vaguei sozinho por muitos passos, ora me sentindo pesado para caminhar, ora disparando por alguns metros rumo ao breu que preenchia toda visão. Uma voz feminina e extremamente aguda, mas que lembrava a de minha mãe, subitamente surgiu, e ela repetia constantemente:
– Vô te destruí. Vô te destruí. Vô te destruí!
A sensação de presença maligna aumentava com a mesma intensidade que as palavras se tornavam mais altas e repetitivas, até o ponto em que se transformou numa imagem visível, mas escura, que passou do sonho para a realidade materializada ao meu lado; de um pulo, me pus de pé para fora da cama. A presença havia se formado exatamente na direção em que se encontrava meu colega de quarto então, temendo, mas com grande curiosidade em saber o que se passava, caminhei alguns passos contornando a cama, me perguntando o que haveria de ver após apertar o interruptor na parede e a luz preencher o local. Nada de mais na verdade!
Tudo estava em seu devido lugar, ou seja, as roupas jogadas ao chão continuavam no chão, o console e a TV sobre a estante torta também, alguns bonecos de ação na parte superior ainda permaneciam de pé vigilantes, e tudo mais se encontrava onde sempre esteve… um típico quarto de adolescentes desorganizados. Contemplei o local por um instante e em seguida, apaguei a luz novamente, mas ao fazê-lo, as palavras ecoaram em minha cabeça como uma reação a tomada das trevas no local:
– Vô te destruí. Vô te destruí. Vô te destruí…
Acendi a luz novamente e procurei pela dona da voz, mas não havia nada.
– Quem ou, o que, quer me destruir? – questionei a mim mesmo.
– Se cê não apagá essa luz, vai sê eu a te destruí! – coaxou meu primo, então prontamente a apaguei, mas não pude adormecer mais; ao menos, ele não se recordou do ocorrido, pois nada comentou no dia seguinte, quem sabe tenha acreditado que se tratava de um simples sonho. Durante o próximo ano, fui atormentado por sonhos semelhantes e uma certa angustia, então, para não aborrecer o que quer que pudesse ser aborrecido, é que refreei minhas reclamações com a situação em que me encontrava. As coisas porém, começaram a, de fato, acontecer, a partir do momento em que, ouvi em uma pessoa, a mesma voz de meu sonho, e, a partir disso, é que as coisas caminharam para me trazer a este quarto de hospital, onde estou escrevendo estas palavras em total sigilo, numa escuridão tão perturbadora como a daquele sonho…
O que aconteceu, foi que, meu primo levou uma garota para nossa casa, apresentando-a como sua namorada e disse que ela passaria alguns dias conosco devido a qualquer empecilho que havia na própria casa; era uma garota baixinha e desajeitada, loira mas de cabelos tingidos, longos e crespos, parecia que havia tomado seu penteado dos anos oitenta, o que não combinava em absolutamente nada com a garota, pois tinha uma cabeça anormalmente circular, dessas que esperamos encontrar em pessoas apelidadas de cara de bolacha… Toda a gentileza e cumprimentos que adornaram sua simpatia a primeira vista, logo desapareciam completamente quando não havia ninguém mais da família além de mim (e meu primo obviamente) por perto. Ela sempre me pareceu que queria se apropriar do lugar, infelizmente esta impressão não era só imaginação, pois, tenho certeza de que foi ela, quem deu a sugestão inicial do plano que visava diminuir ao máximo minha presença: sei que já estávamos ficando velhos demais para isso, mas não importava, idade não era impedimento para que Batata, Ana e eu continuássemos a nos aventurar por terras distantes em busca de espadas encantadas e de caçar dragões, claro, isso tudo dentro de nossa imaginação e brincadeiras de RPG, mas, não tínhamos mais como cenário, a minha casa, não, o ambiente havia se tornado hostil demais, então nos reuníamos agora na casa de um dos meus dois amigos. E foi exatamente num destes momentos de ausência, que organizaram uma (muito) oportuna reunião de família, e após algumas discussões, a garota sugeriu algo que foi imediatamente acatado por todos, e ficou estabelecido que eu dormiria, a partir deste dia, na sala de visitas… se é que se podia chamar aquele cômodo mal acabado, empoeirado e repleto de badulaques, de sala, ou no meu caso, a partir de então, de quarto… Na verdade, era só um local de despejo nos fundos, onde se jogava tudo que era indesejável (inclusive eu, ao que parece). Ficava logo após o corredor que saía da verdadeira sala de visitas, ao menos, havia um sofá-cama para mim, pois minha própria cama havia também sido confiscada. Então me instalei, devidamente oculto atrás da pilha de caixas cheias de objetos quebrados mas que não eram jogados fora porque minha mãe estava prestes a se tornar uma acumuladora, e o grande destaque da pilha, sua formidável utilidade era, sem dúvida, me manter longe da vista de todos.
E foi só quando retornei de minha recente expedição a serviço do rei, que fui informado dos novos costumes e de que me havia sido vetado o direito de opinar sobre o assunto… Após o incidente, por muito tempo, mergulhei numa tristeza tão profunda que beirou a depressão, e provar o que quer que fosse para Ana, havia perdido toda a importância, o boxe, pelo qual tanto lutei antes, eu o esqueci!
Me refugiei nos sonhos estranhos que comecei a ter, nas aventuras que imaginava durante nossa brincadeira de RPG e no livro que escrevia, muito embora, nem isso tenha durado, mas, por um tempo, me mantiveram distraído. Esta foi apenas, a primeira etapa de algo muito maior, uma jornada que seguiria desde o sofrimento até o aprendizado, passando antes por algumas visões, meus sonhos: de repente, me vi sozinho caminhando por uma velha estrada tão longa e reta que sua visão se perdia no horizonte, em cada um dos lados, contrastando com sua morbidez cinzenta, havia um lindo e vivo gramado. Surgindo de lugar algum, um carro passou por mim e foi em direção ao horizonte, mas veio a bater alguns metros a frente, em qualquer objeto que também aparecera sem nenhuma explicação, tal qual qualquer bom sonho têm. Me apressei e corri até o local, onde observei, dentro do veículo, uma figura escura indecifrável puxar o próprio braço de debaixo da direção e, em seguida, erguê-lo ao ar, mas a mão e os dedos caíram sobre o próprio peso. Surpreso, tentei ver de quem se tratava novamente mas sua identidade continuou oculta. Na manhã seguinte, soube que meus avós haviam ido juntos a uma consulta médica na cidade vizinha (no mesmo lugar abominável em que me encontro), eles haviam tomado carona com qualquer conhecido que iria ao mesmo destino, e aconteceu que, durante o trajeto, uma vaca apareceu – Como que, caiu do céu – como disse meu avô, na frente do veículo e uma colisão foi inevitável, entretanto, como estavam em baixa velocidade por acabarem de sair de uma curva perigosa, não foi um acidente fatal. Ao saber disso só pude pensar que a imagem de meu sonho se repetiu, tendo seu desfecho aplicado diretamente a minha avó que quebrou seu braço, era ela a figura que não pude reconhecer durante a visão. Mas, o mais estranho, é que meus sonhos nunca foram exatamente claros quanto a quem se destinavam e, as vezes, nem mesmo sobre as circunstancias e só, ao vê-los cumpridos, é que entendia perfeitamente de que se tratavam, talvez isto acontecesse porque eu ainda não estava suficientemente esclarecido nos assuntos espirituais, esclarecimentos estes, que ainda levariam muitos anos para chegar.


NOTAS DE RODAPÉ:

CARRANCA URBANA – Apelido atribuído a expressão facial adotada por pessoas que geralmente vivem em cidades grandes e desejam evitar pedintes.

TESTEMUNHAS DE JEOVÁ – Seu início, se deu com Charles Taze Russell (Ministro Cristão Americano – 16 de Fevereiro de 1852 a 31 de Outubro de 1916) quando fundou uma organização de estudos chamada Estudantes da Bíblia, na década de 1870. Mais tarde, fora registrada como Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados da Pensilvânia (1884); porém, foi Joseph Franklin Rutherford (8 de Novembro de 1869 a 8 de Janeiro de 1942), o segundo presidente da sociedade, quem promoveu as mudanças que, de fato, dariam forma as Testemunhas de Jeová (nome adotado em 1931). Uma de suas doutrinas mais fundamentais é a proibição ao combate e isso levou Ruherford e seis colaboradores a serem presos por interferirem nos esforços de guerra dos EUA, porém pouco tempo depois do fim da primeira guerra, foram libertados sob fiança.

CHARLES DARWIN – Nascido em 12 de Fevereiro de 1809 na cidade de Shrewsburry, Inglaterra, e falecido dia 19 de Abril de 1882. Contra todos os credos da sociedade do período em que vivera, baseou-se em diversas observações do reino animal feitas em suas explorações para formular sua teoria, mas temeu publicá-la abertamente, devido as autoridades religiosas, tanto que, na verdade, em A Origem das Espécies (publicado em 24 de Novembro de 1859), existe uma única e breve divagação sobre a evolução do homem, em sua última página.


NO PRÓXIMO CAPÍTULO:

O REINO DE CRISTAL - PRIMEIRA PARTE (LINK)

Há uma pequena aldeia no Sul da Terra do Sol Eterno, escondida numa antiga floresta, tão próxima ao oceano que sua música embala o sono ensolarado de seus moradores; saltando por entre as árvores, está a montanha sagrada que provém a vila, sombra contra o Sol Eterno. Seria muito conveniente se fosse possível nomear este lugar, porém, seu verdadeiro nome desapareceu com o passar do tempo e a perda do idioma local entretanto, em uma adaptação nas línguas atuais, a aldeia é chamada da mesma forma que seu monte sagrado: Montanha da Queda. Diz a lenda que, durante a Guerra das Estrelas, uma delas colidiu contra o solo, no mesmo lugar onde hoje está localizada a pequena aldeia, e o impacto criou uma enorme cratera. Em seguida, a estrela reuniu toda sua força e levantou voo de volta ao céu, a própria terra a teria ajudado nisso, se erguendo debaixo de seus pés, a fim de, impulsioná-la e, neste esforço, o solo se curou do golpe de tal maneira que a vida brotou nele e cresceu em direção ao céu, nasceu então à floresta. Até o Sol se demorou na região para observar a estrela e teve seu curso permanentemente alterado.
É neste lugar com tanta história, que vive o único jovem que possui cabelos louros em todo o país, seu nome é Starwish. O povo que o abriga teme, acima de tudo, as antigas lendas, e observa muitos ritos dos mais variados tipos. Uma de suas tradições, dita que, quando um rapaz completa quatorze anos, seu pai deve levá-lo para pescar nada menos que um tubarão em alto-mar, e os sábios e nobres anciões nos ensinam sobre a origem desta prática:
– No céu, as estrelas têm combatido terríveis feras desde o início dos tempos; durante a labuta, uma destas caiu sobre nossas terras, porém, na ocasião nos concedeu um grande presente, o mesmo presente pelo qual o próprio pó da terra sentiu-se inspirado o suficiente para desejar segui-la de volta a batalha, este presente chama-se ímpeto!


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COMO É O INFERNO?

Falar sobre o inferno simplesmente não deixa de ser um assunto interessante (bem… digo isso na falta de palavras mais “adequadas”…) este não é descrito unicamente na Bíblia Cristã, diversas outras religiões e mitologias ao redor do mundo possuem sua própria “versão” do inferno com particularidades e semelhanças que são notáveis. Contudo, este artigo não se destina a compará-lo nos mais diversos cenários, mas sim compartilhar alguns relatos escolhidos a dedo que são (a meu ver) bastante relevantes e/ou interessantes, portanto merecem, ao menos, serem conhecidos. Pintura portuguesa a óleo sobre madeira, datada entre 1510 e 1520, seu verdadeiro autor é desconhecido, mas teria sido encomendada e guardada no Convento de São Bento da Saúde. Eu recomendaria iniciarmos nossa viagem falando sobre o Inferno de Dante, porém, sobre isso acabei discorrendo num outro projeto aqui do Blog (e não pretendo revisar e “relançar” todo o texto), que basicamente é uma revista virtual sobre animes, games e c